A lógica predadora é a mesma: endivida e privatiza. Os bancos ganham nos dois casos. Imposto? Coisa de comunista.
Reflexões sobre o reajuste do IPTU
Semana passada a Prefeitura de São Paulo enviou à Câmara Municipal a proposta de Orçamento de 2014, incluindo um reajuste no IPTU. Ninguém gosta de ver aumentadas as suas despesas… Era esperado portanto que o anúncio fosse acompanhado de reações negativas. Sugiro aqui três reflexões sobre a medida.
Em primeiro lugar, é importante lembrar que o IPTU é um dos impostos mais justos do país, cobrando mais de quem tem mais, ao contrário da maior parte de nossos impostos.
Além disso, o IPTU constituiu uma das poucas fontes de receita própria dos municípios. Se bem cobradas e empregadas, as fontes de receita própria diminuem a dependência municipal da transferência de recursos dos governos estadual e federal, altamente intermediadas “politicamente”.
Maior receita própria significa também menor necessidade de contrair dívidas, cujos encargos representam hoje o maior gasto da cidade de São Paulo.
A realidade hoje no Brasil é que poucas prefeituras arrecadam IPTU. Do ponto de vista político, é muito mais interessante para os prefeitos serem “bonzinhos” e não cobrarem o imposto. Depois, sobra para seus eleitores a dívida e o custo das alianças…
Em segundo lugar, vamos refletir sobre a ideia de que não queremos mais impostos porque os serviços públicos não existem ou são de má qualidade.
De fato, estamos insatisfeitos com a qualidade de nossos serviços públicos, mas não é diminuindo os recursos arrecadados que o município vai gastar melhor. Por que não debatemos a proposta de gasto enviada junto com a proposta de aumento de receita? Como e quando vamos avançar no controle social do orçamento público?
Aqui a reação contrária ao IPTU encobre um outro debate, mais obscuro e difícil.
Por fim, a reação anti-IPTU reflete o debate em torno do custo de morar na cidade.
De fato, desde 2009, quando ocorreu o último reajuste, a cidade vive um boom imobiliário sem precedentes, catapultado pelo crescimento econômico, pelo aumento do crédito imobiliário e da participação do mercado paulistano na ciranda financeira local e internacional.
Na cidade submetida unicamente à lógica financeira, bairros inteiros são descaracterizados e é cada vez mais difícil morar em bairros bem localizados. O curioso é que este tema só aparece quando a cidade tenta captar uma parte dos enormes ganhos imobiliários e financeiros que gerou nos últimos anos, reajustando o IPTU.
Uma vez mais aqui o problema não está no IPTU. Do ponto de vista da política urbana, o que estamos fazendo para controlar a bolha imobiliária e impedir a total “financeirização” do mercado imobiliário e a expulsão de moradores de seus bairros?
A discussão fundamental é: quem pode pagar e quanto?
Em São Paulo, por volta de 1 milhão dos 3,5 milhões de domicílios da cidade terão reajustes significativos no IPTU. Quem são estes 30%? Que possíveis situações de vulnerabilidade podem existir entre os moradores destes domicílios?
Me parece que esta é a discussão madura que deve ser feita agora na Câmara Municipal por nossos vereadores.
*Raquel Rolnik é urbanista. Coluna originalmente publicada no caderno Cotidiano da Folha de S. Paulo.
PS do Viomundo: Quem definitivamente não quer o aumento do IPTU são os bancos. Os bancos ganham com juros pagos pela Prefeitura de São Paulo. Independentemente de eventuais injustiças — e, certamente, elas existem — a grana que não vai para o IPTU acaba no cofre dos bancos, via juros, rolagem da dívida e um encarecimento generalizado para fazer negócios na cidade. Mas os juros pagos aos bancos não chegam num carnê na casa das pessoas, no início de todo ano, nem são denunciados pela mídia patrocinada pelos banqueiros.
Por Raquel Rolnik, em seu Blog.
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