Passou no
Senado e está na Câmara um projeto de lei em favor de quem se sentir injuriado,
difamado ou caluniado pela mídia. Trata-se, finalmente, de se regulamentar o
que já assegura a Constituição Federal, no seu Artigo 5º, Inciso V: “É
assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização
por dano material, moral ou à imagem.” Como se trata do próprio Poder
Legislativo, desta vez dificilmente o lobby das grandes corporações de mídia
conseguirá, como de costume, carimbar a iniciativa como sendo mais “um atentado
à liberdade de imprensa”, chantagem utilizada mesmo quando o Congresso baniu da
TV aberta a publicidade de cigarros.
Perdeu
tempo a Associação Nacional de Jornais (ANJ) de não ter levado à frente uma
proposta que em seu seio já lograva consenso há vários anos, que era a de se
criar para a imprensa brasileira saída semelhante ao Conar (Conselho Nacional
de Autorregulamentação Publicitária), com o seu respectivo Código Brasileiro de
Autorregulamentação Publicitária, mecanismo que assegura amplo espaço para a
solução consensual de queixas e idêntica oportunidade de defesa do acusado.
Mesmo uma
solução nos moldes do Código de Defesa do Consumidor seria mais amena do que o
império de um sistema que possa resvalar para a chamada “indústria da
indenização”, isto porque as reparações previstas nesse modelo decorrem sempre
de negociações entre as partes – intermediadas pelos Procons – e nunca podem
ser arbitradas acima do valor original do produto, bem ou serviço em causa
(acrescido de correção inflacionária). É verdade que o serviço noticioso da
imprensa não pode ser confundido com simples mercadoria e que é muito complexo
traduzir em cifras um dano moral.
Injúria,
difamação e calúnia
Em termos
de “imaginação sociológica”, a Universidade de Brasília, por meio de um projeto
de extensão intitulado “SOS-Imprensa”, já havia projetado um “Procom da Mídia”,
de autoria da então bolsista de iniciação científica Rachel Librelon, hoje
jornalista atuando no mercado. Isto foi há mais de uma década, quando ainda
existia alguma chance de o Brasil ter um Conselho Nacional de Comunicação
(efetivo e em favor da sociedade), fórmula adotada em numerosos países, ou,
quem sabe, uma Ouvidoria Pública de Imprensa, como funciona no Uruguai.
O fato é
que o equilíbrio entre liberdade e responsabilidade nunca foi bem entendido no
Brasil. De um lado, responsabilizações penais por algo civil (a imprensa é um
espaço público que viabiliza uma esfera pública numa sociedade democrática e
plural). De outro, empresas que sempre confundiram liberdade de impressão (print)
com liberdade de expressão (speech) e de opinião (press).
Resultado: o pior possível, como sentenças judiciais, em alguns casos maiores
do que o valor integral dos negócios do réu, leia-se: a falência como
condenação.
Se
herdamos do modelo anglo-saxão a mentalidade de que a imprensa é um poder
fiscal, possivelmente trazemos da mesma origem o cacoete de que reputação pode
ser traduzida em dinheiro. De fato, imagem é um direito que equivale a um bem e
a um patrimônio, mas imateriais. Simbólicos, diga-se. Há, nos Estados Unidos,
uma anedota de que teriam escrito na cédula monetária a expressão In God we
trust (Acreditamos em Deus), com vergonha de escrever In gold we trust
(Acreditamos no ouro). Convertem no vil metal os chamados crimes de honra:
injúria, difamação e calúnia.
E é bom
aproveitar-se a oportunidade para traduzi-los. Em geral, os advogados pedem
recompensas pelos três, conjuntamente. No entanto, injúria é ofender ao decoro
(xingamentos, preconceitos, depreciações etc.); difamação é difundir má fama
(atingir, por exemplo, a reputação profissional de alguém); e calúnia, o mais
grave deles, é imputar falsamente crime a alguém. De qualquer forma, lá, nos
EUA, a preferência é pela reparação em dinheiro, quando, na verdade, direito de
resposta é direito de defesa, com réplica de autoria do próprio ofendido. A
indenização financeira seria reservada para situações em que o dano moral
implicou prejuízos materiais.
“Resposta”
jurídica e anacrônica
Com o
banimento da velha Lei de Imprensa, quase sempre acompanhada da alcunha de
“entulho autoritário”, desregulamentou-se o direito de resposta nela contido.
Na lacuna de uma regulamentação constitucional atualizada, o assunto gravitou
automaticamente na direção do Código Penal e da mercê da arbitragem judicial,
cara e lenta. E com o risco de prevalecerem penas arrasadoras ou, de acordo com
o libertarismo do juiz, um vale-tudo em nome da liberdade, em nome da qual
adoramos encher a boca com expressões do tipo “A liberdade é um valor
absoluto”. A mesma epígrafe não tem valido para outro valor igualmente elevado:
a responsabilidade.
Honra se
repõe com honra e no espaço onde ela foi arranhada ou destruída: o espaço
público. Liberdade e responsabilidade; ofensa e reparação. Ocorre-me, aqui, um
episódio em que um direito de resposta (matéria de capa de uma revista de
âmbito nacional) veio a ser publicado vários anos depois da reportagem, quando
o ofendido já era morto. Até o momento, direito de resposta é, em geral, tarefa
de advogados e em juridiquês, linguagem totalmente diferente do texto que o
público massivo compreende. Em síntese, o público guardará para sempre a versão
injuriosa-difamatória-caluniosa, já que nada entendeu da “resposta” jurídica e
anacrônica.
[Luiz Martins da Silva é professor da UnB,
pesquisador do CNPq (“A ideia do pós-jornalismo”) e coordenador do projeto SOS
Imprensa da FAC/UnB]
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