Enfermeiras dos EUA querem taxar operações de Wall Street
Sindicato Nacional das Enfermeiras sai às ruas nos Estados Unidos para defender a criação de uma taxa sobre as operações de Wall Street, destinada a reconstruir a vida do cidadão comum duramente afetada pela crise causada pelo setor financeiro. Sindicato propõe inicialmente um aumento de 350 bilhões de dólares em impostos, “uma pequena taxação de 0,5% sobre as transações de Wall Street com ações, títulos e moedas estrangeiras e derivativos”. Imposto similar já existe em mais de 15 países.
Carl Finamore - Talking Union
Um protesto de enfermeiras sindicalizadas, vestindo reluzentes camisetas vermelhas do seu sindicato, alimentando uma fila de famintos reunidos ao meio dia do lado de fora de um prédio da administração federal lotado não é algo que se vê todo dia e chamou muito a atenção.
A intenção era dizer a que elas vieram, também enfaticamente, nas passeatas em frente aos gabinetes dos parlamentos estaduais e municipais em 21 estados.
O Sindicato Nacional das Enfermeiras selecionou as maiores repartições públicas federais dos Estados Unidos para fazer barulho e dizer: “Nossas comunidades estão sofrendo; taxação sobre Wall Street para reconstruir a Main Street [N.T. "rua principal", literalmente, aqui remete à vida do cidadão comum duramente afetada pela crise causada pelo setor financeiro].
Este projeto é outro passo político corajoso para o politicamente ativo e crescente NNU [sigla em inglês do sindicato das enfermeiras e enfermeiros], hoje a maior organização da categoria na história do país.
Na mais recente manifestação de 2 de setembro, o sindicato também defendeu fortemente que o governo forneça assistência de saúde de qualidade para todos e não exclusivamente para aqueles que podem pagar, mais ou menos como o Medicare faz hoje para os idosos.
Eu perguntei por que as enfermeiras estavam tão interessadas em política, enquanto a maior parte dos sindicatos só se dedicavam a defender os seus integrantes ou questões contratuais de trabalho.
“É natural para nós defender os pacientes e suas famílias”, disseram-me representantes do sindicato repetidas vezes ao longo do dia. “Na verdade”, enfatizou Martha Kuhl, secretária nacional e enfermeira que trabalha num hospital em Oakland, “estamos comprometidos por lei a fazer isso”.
“Mas não é suficiente para nós cuidar apenas das pessoas enfermas. Quando há tanta gente sofrendo do lado de fora do hospital, precisamos fazer mais e deixar o público ciente das questões de justiça social que afetam a todos”, disse-me Zenei Triunfo-Cortez pouco antes de subir ao palanque da manifestação para discursar.
Triunfo-Cortez é vice-presidente nacional do Sindicato e co-presidente da afiliada Associação de Enfermeiros da Califórnia (CNA).
Diane Koorsones, integrante do conselho diretor da CNA, expressou a mesma ideia. “Nossos dirigentes sindicais trabalham em hospitais e com o que vemos diariamente nos rostos dos que não têm seguro saúde ou sem um seguro adequado”, Koorsones confessou, sinceramente; “outras pessoas, outras organizações progressistas podem não ver. Talvez elas estejam longe demais da miséria que vemos e perdem a perspectiva geral, perdem a perspectiva das grandes soluções que devemos adotar”.
De fato, isso é verdade. A maioria dos sindicatos está tão concentrada nos problemas econômicos que ameaçam os trabalhadores que não conseguem lidar com questões políticas maiores ou simplesmente só seguem as opiniões dos seus políticos preferidos.
Se isso é verdade, como alguns estão começando a avaliar é inadequado travar as batalhas dos trabalhadores apenas no âmbito econômico, confinados a piquetes e a negociações contratuais. O exemplo do SNE de levar adiante a política, independente dos políticos e dos conchavos de Washington merece ser considerado.
O Contrato da "Mains Street"
"Assim como temos bons enfermeiros, o contrato com o sindicato garante seguro saúde e aposentadoria, todos os americanos deveriam ter um contrato com esse tipo de garantia", disse-me Koorsones.
O SNE sugere um “Contrato da Main Street para o Povo Americano” que propõe inicialmente um aumento de 350 bilhões de dólares em impostos, “uma pequena taxação de 0,5% sobre as transações de Wall Street com ações, títulos e moedas estrangeiras e derivativos”. O SNE afirma que mais de 15 nações já têm essa taxação, comumente referida como Taxação sobre Transações Financeiras (FTT na sigla em inglês). De fato, a proposta ganhou o apoio de economistas de renome neste país e na Europa, onde os orçamentos também estão apertados.
De acordo com o informe de 31 de agosto da Bloomberg, a França e a Alemanha proporão em setembro uma FTT à União Europeia para levantar dinheiro para projetos de desenvolvimento.
Até o presidente francês Nicolas Sarkozy, que enfrentou grande mobilização contra seu governo, quando tentou cortar aposentadorias e serviços sociais no seu país, concedeu que “é normal pagar uma taxa quando se compra um bem material. Por que transações financeiras seriam as únicas transações isentas de taxação?”.
Tudo isso soa muito razoável. Mas taxar a riqueza sempre é mais difícil nos EUA, onde os ricos parecem ser muitíssimo mais gananciosos e onde o público parece muitíssimo menos informado.
Como resultado, indivíduos ricos e grandes corporações neste país estão pagando cada vez menos e menos impostos.
Por exemplo, o Instutute for Public Accuracy documentou 25 exemplos das 100 maiores corporações que pagaram aos seus executivos em 2010 mais do que cada uma pagou em impostos federais, conforme matéria divulgada no Chicago Tribune, em 31 de agosto. Sem vergonha alguma, muitas dessas corporações na verdade obtêm imensos ganhos líquidos em isenções fiscais do governo.
Uma outra razão da campanha pela educação política do SNE é que ela representa um bom começo.
“Tudo começa com a explicação dos custos humanos de grandes questões políticas como a guerra e a assistência em saúde que na verdade impactam as famílias diretamente, em seus bolsos e em como vivem suas vidas, esperando alguma esperança e dignidade”, disse Sal Rosselli, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores na Assistência Médica (NUHW na sigla em inglês) na manifestação em São Francisco.
"A proposta do "Contrato da Main Street" do SNE e o envolvimento de seus membros na educação e na informação do público americano significa que estão envolvidos na política num nível mais profundo e amplo do que a mera redação de manifestos aos políticos e isso, eu acredito, é um exemplo para os outros sindicatos”, acrescentou Rosselli.
Fazer Wall Street Pagar
“Fazer Wall Street pagar pela devastação causada na vida dos cidadãos comuns”, disse Koorsones aos gritos e aplausos. Ela estava no palanque com várias pessoas que compartilharam experiências dilacerantes de doença, pobreza e morte resultantes da deterioração das condições de vida neste país.
Hoje há um recorde de 46 milhões de americanos beneficiários do programa de segurança alimentar Food Stamps. Em vez de considerar a magnitude desse número como um sinal profundamente perturbador da crise, o Congresso está considerando a possibilidade de alterar os critérios de eligibilidade do programa para diminuir os números dos beneficiários, descartando as pessoas. É um desses exemplos repugnantes que explicam por que tantas pessoas que falaram, das comunidades de São Francisco e dos locais de trabalho se alinharam à ideia de um “Contrato da Main Street”.
Bombeiro de São Francisco, com 16 anos de trabalho, Heather Piper contou uma história pessoal dramática e disse à multidão que “as pessoas deveriam poder se aposentar em segurança e morrer com dignidade. Impostos devem pagar por empregos e assistência médica e Wall Street deveria pagar sua parte devida”.
Jaquayla Burton, de 21 anos, foi muito aplaudida ao insistir: “Wall Street deveria começar pagando pelo que quebrou. Eu não arruinei a economia”, disse a jovem negra do bairro pesadamente desempregado de Bayview.
Essas vozes no palanque em São Francisco e em outras manifestações ao longo do país ecoam as esperanças e sonhos de milhões de estadunidenses.
Tomara que a campanha pelo “Contrato da Main Street” signifique que essas vozes finalmente serão escutadas em Washington e nas cidades e nos governos estaduais ao longo da terra que até agora fizeram ouvidos moucos para as verdadeiras necessidades e aspirações do povo trabalhador comum.
(*) Carl Finamore é operador de máquina sindicalizado.
Fonte: Luis Nassif Online